Arthur Timótheo da Costa - Comentários Críticos

As influências impressionistas na pintura brasileira das primeiras décadas do século corrente, que estabelecem um cominho decididamente diverso do que lhe assistiu no século precedente, não desfazem, porém, como seria de esperar, conotações conservadoras que sustentam para adiante formulações pictóricas de claro-escuro bem distantes do que exigiria um comportamento desprevenido e decididamente entregue às sugestões da atmosfera e sua luz envolvente e rica de transparências. Os tons escuros, fora dos temas decididamente ao ar livre, seguem cultivados dentro da escala de valores que não atende às sutilezas tonais da fluidez atmosférica, e preferem continuar a estabelecer contrastes com os focos iluminados, com a exaltação de um pela oposição de outro, o que os mestres impressionistas contrariaram. Daí as tintas de ordem terrosa prosseguirem na paleta de certos pintores apesar de receberem influências impressionistas. Influências sempre reveladas com mais precisão na interpretação da paisagem, porém prejudiciais quando o tema do quadro passa à cena de interior. Seguem, então, os valores de claro-escuro medidos fora do que possa ser um efeito envolvente, onde as sombras devem aparecer necessariamente iluminadas e consequentemente providas de cor, o que as tonalizações terrosas e enegrecidas não traduzem. É o que vamos constatar nas obras de dois pintores que se singularizam na geração que sustentará as melhores condições para a pintura brasileira neste terço de século, os irmãos João e Artur Timótheo da Costa.

Demonstram-se, ambos, catequizados pelos efeitos do ar livre que o impressionismo revelou, quando se aplicam à paisagem, com expressiva espontaneidade e paleta de cores limpas. Não mantêm igual disposição quando se defrontam com temas de interior, em que violentos contrastes de luzes e sombras correspondem a um interesse predominante nas melhores telas de João e de Arthur. Efeitos penumbristas são conscientemente trabalhados para exaltação de restritos focos de luz agressivamente projetados, estes, com exageradas espessuras de tintas, enquanto os escuros, bem apagados, e, para maior resultado no contraste, são, de preferencia, cuidados com tintas muito diluídas, quando não resultam de simples esfregaços, como a lembrar os envolvimentos de Eugène Carrière. Pintura quase monocrômica à qual se acrescentassem pronunciamentos de cores num proposito de violentar o intimismo que foi obtido pelo mestre francês, a cuja obra a confusão de critérios técnicos atribui correlações impressionistas. Erro a que leva o descobrimento das autênticas proposições da pintura impressionista, que tem em sua denominação uma relativa conotação com seus principais técnicos, embora subordinados a uma necessária impressão visual do fenômeno luminoso, que exige um tratamento pictórico de rápido registro. O mestre Carrière incide numa forma impressionista do registro figurativo, quando contornos e detalhes se diluem na penumbra dominante, sem manter nenhum relacionamento com o fenômeno luminístico subordinado à atuação das cores como condição essencial, conforme sucede no proposito dos mestres impressionistas, com Monet, Pissarro e Sisley à frente. A denominação “impressionismo” decorreu da expressão de um critico, ao se referir, com certo desdém, às telas de Monet apresentadas na primeira exposição do grupo em 1870: “são impressões...”. O trabalho contido em uma realização rápida, a que sempre se dedicaram os pintores para os primeiros estudos ou anotações de primeiras idéias ou “impressões” (esboços, manchas, ou croquis conforme são denominados), não equivalem ao que a pintura impressionista expressa especificamente, objetivados seus compromissos definidos e responsáveis para com uma tradução plástica do fenômeno ótico da luz e suas relações cromáticas, o que interfere na totalidade da representação atmosférica.

Assim, pode-se constatar que nem sempre o impressionismo em sua clareza de princípios técnicos e ideológicos foi suficientemente assimilado por nossos pintores dessa geração, apesar de julgarem-se descompromissados com os antigos preconceitos pictóricos. Estende-se esta fase da pintura brasileira por quase três décadas, ou seja, do inicio do século até abertura para novas conceituações plásticas promovidas pela Semana de Arte Moderna a iniciarem-se na década de vinte.

Pintura de largos recursos para efeitos impressionantes, decidida e arrojada no tratamento da matéria que as tintas sucosas promovem, exaltando a epiderme pictórica e a sugestão cromática, espontânea e bem gestual pelo toque rápido do pincel conjugado à agressividade do golpe de espátula, caracteriza a técnica empregada tanto por João como por Arthur Timótheo da Costa. Começaremos por biografar ARTHUR TIMÓTHEO DA COSTA – (Rio de janeiro, 1882 – idem, 1923) porque, embora mais jovem três anos que seu irmão, mais prontamente revela a decisão de sua vocação artística. Ingressam ambos em 1894 na Escola Nacional de Belas Artes, meninos ainda, pois contavam 12 e 15 anos de idade, respectivamente. Mas, Arthur, por seu temperamento agitado e mais impulsivo, prontamente demonstra suas inatas aptidões, diferentemente do irmão, mais sereno e demorado em suas decisões artísticas. Ambos ligavam-se aos cursos de aprendizado da Casa da Moeda (desenho e gravação de moedas e selos) quando Arthur já se revela com temperamento incontido. Daí, logo travar conhecimento com o cenógrafo italiano Orestes Coliva e junto ao mesmo trabalhar durante cinco anos, adquirindo a habilidade que resulta do trato pictórico particularizado para o cenário de teatro. Habilidade que se vai somar à sua sensibilidade de pintor condicionado à arte do cavalete, aparecendo bem na destreza de seus pincéis na obtenção de sugestivos efeitos através de uma técnica desembaraçada e largamente conduzida. Isto se constata francamente na grande tela que prepara para o Salão Nacional de Belas, Antes da Aleluia (no M.N.B.A), em 1907. Com harmonia cromática ocre, uma apreciável luminosidade se estende por todo o cenário constituído por uma multidão popularesca que se apresenta a acender foguetes, no adro da igreja, para a alegria comemorativa da Ressurreição.

Seguiu Arthur para Paris, onde passa o tempo na residência europeia. Desobrigado de severas disciplinas escolares, temperamental e de espirito independente, deu desembaraço muito pessoal a seu trabalho. Passa, desde então, a desenvolver uma obra particularmente dotada de notável espontaneidade, em que a pintura se liberta das limitações plásticas de teor pictórico.

Conquanto conservem sempre certa similitude, tanto a obra de Arthur como a de João acentuam categorias próprias, já que o primeiro revela-se mais aplicado no tratamento técnico enquanto João cultiva preferentemente o improviso do esboço. Desse comportamento de Arthur é bem significativo o Auto-Retrato, hoje no M.N.B.A. A marcante espontaneidade pictórica, particularmente na pastosidade das partes iluminadas, não se deixa levar pela destreza dos pincéis mas é submetida a um desenho rigoroso, que não vacila nos detalhes anatômicos do rosto e da mão direita que pousa com segurança sobre o encosto da cadeira sustentando o pincel entre os dedos indicador e anular. O jogo de luz e sombra é notavelmente conseguido dentro de um conjunto sóbrio de cores admiravelmente tonalizadas, em que predominam o ocre claro do guarda-pó e o branco bem empastado da camisa que contorna o vermelho suave da gravata. A boina projeta sombra tratada com necessária transparência sobre um terço do rosto e valoriza bem os pontos iluminados. Dentro desse mesmo padrão de apuro técnico é também o retrato que pintou de seu colega Eduardo Sá, onde o artista posa sentado ao lado do cavalete de escultura, desbastador à mão e guarda-pó branco marcado de barro e gesso, admiravelmente entonado na totalidade muito clara de toda a composição, que envolve a cabeça dotada de muita fidelidade fisionômica. São dois retratos que rivalizam com os melhores da pintura brasileira, no gênero.

Em parceria com o irmão, Arthur desincumbe-se de painéis para o Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de 1911, em Turim. Nos últimos anos de vida faz-se mínima sua produção em vista da moléstia que sempre mais o acometia, até ser internado em Hospital psiquiátrico, onde veio a falecer aos 41 anos de idade, precisamente quando alcançava plena maturidade artística. Uma existência cortada quando estava preparada para concretizar uma obra bem mais numerosa e dotada de qualidades que sempre mais iriam revelar, dado o prenúncio de sua parte realizada, sempre a denunciar uma evolução coerente.

Fazem-se ainda destacadas as telas seguintes: Alguns Colegas (série de retratos agrupados numa só tela), No Ateliê de Lucílio (Museu Antonio Parreiras, em Niterói), Cigana (Pinacoteca do Estado de São Paulo), A Dama de Verde (Museu de Arte de São Paulo) e uma pequena Marinha (no acervo da Sociedade Brasileira de Belas Artes) em que se pode ver a destreza e comoção pictórica com aquele semblante bem impressionista que Arthur sabia imprimir às pinturas desse gênero.

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(QUIRINO, C. História da Pintura Brasileira no Séc. XIX. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, pg.227-233 1983).