"Para perceber os 'pontos' visuais de Valentim, é também preciso ter consciência de um Brasil com negritude ferida pela escravidão, da senzala à favela: ele nasce mulato e pobre em Salvador. Em suas obras, essas mágoas são resolvidas quando vestem a pureza e a paz de Oxalá - personificação do espírito crístico, no candomblé o solar orixá compadecido -, ou quando ousa, índio e afro, a intensidade das cores fortes. Elas fazem profanas festas às divindades nos templos das civilizações onde mergulhou, ávido, além da herança natural advinda das nações ketu, angola, jêje, yorubá e nagô. Daí, a negra substância vital de sua obra. Ela, junto ao legado nativo, dizia ele, era o 'tutano' no caldo grosso da farta miscigenação brasileira."
Bené Fonteles, 1997/1999 (artista plástico, poeta, compositor e curador)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 23 (catálogo de exposição).
"Quanto às raízes nacionais e o universo deliberadamente circunscrito, residem, em Valentim, no recurso a signos das religiões afro-brasileiras, especialmente o candomblé, às chamadas ferramentas do culto, às estruturas dis altares, aos símbolos dos deuses, etc., que ele transpõe para seu próprio campo de trabalho erudito. Esses signos, já geométricos na origem, são adaptados, reorganizados, interligados, construindo-se um discurso novo cujo vocabulário provém de outro, anteriormente existente, Se, por um lado, ao apegar-se exclusivamente a esse repertório, Valentim obtém (porque quer) um universo cerrado, por outro, é claro que as permutações e arranjos são infinitos, e o resultado formal, inesgotável. Não nos sentimos diante de qualquer limitação, mas sim da coesão e coerência."
Olívio Tavares de Araújo, 1993 (crítico de arte e música, cineasta e ensaísta)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 13 (catálogo de exposição).
"Dono de um repertório inesgotável, face à vertente de onde bebeu o néctar de suas invenções, esse mago dos símbolos criou um alfabeto de escrever sonhos, transformou parte do projeto concreto em algo transcendente, ancestral e metafísico, abrindo, assim, uma das portas de saída para a segunda modernidade no Brasil.
Revolucionário em seu fazer, Valentim trouxe para o território do 'real' o que antes pertencera à limitada realidade da retina, gerou onda de calor para esquentar o que antes fora uma experiência geométrica estetizante, estritamente formal e distante da emoção. Sem pudores cristãos, instalou a imagética do candomblé nos meios eruditos. Sua vontade construtiva transformou as imagens em oráculos, articulados e consagrados na sua crença ético/estética, pois Valentim ungiu a religião em verdade e essência e em real sentido: o da religação!
No construtivismo, a vertente concreta apresenta-se como uma tendência hegemônica da racionalidade positivista e estritamente científica. A arte de Valentim tangencia essa exatidão cartesiana, entretanto algo sensível, enigmático e supra-inteligente pulsa nessa vertigen criadora, direcionada ao mítico e atávico mundo elemental dos seres e civilizações de origem africana. [...]
Obstinado na radicalização de seu projeto. fulminou a fronteira que separa o popular da alta cultura, passou a anos-luz da crise da arte instalada no século XX e iluminou o caminho não-finito para a descoberta do novo."
Wagner Barja, 1992 (artista plástico e curador)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 17 (catálogo de exposição).
"Enquanto os outros baianos ficavam folclorizando o folclore, Rubem Valentim era marginalizado como um artista desligado da realidade brasileira. Não se entendia como um artista, vivendo na capital folclórica do País, se perdia em pesquisas formais, esquecendo de retratar quituteiras, lagoas de abaetés, vatapá em óleo-de-dendê. Isso há mais de 30 anos. Isolado, Valentim não se contentava com a aparência superficial da paisagem urbana e mergulhava fundo na geometria, em busca de linguagem plástica gráfica universal que servisse de instrumento para a expressão mais real da cultura brasileira. E, convertido em geômetra, começou a construir sintaxe que acabou eclodindo na síntese signográfica perfeita da cultura popular e das artes eruditas. E seu trabalho passa, com louvor, pelo crivo das análises críticas do construtivismo, ao mesmo tempo que traduz as raízes mais profundas, mais tradicionais e contemporâneas da civilização brasileira. Quer em museu formalista da Europa, quer no espaço etéreo do candomblé, sua arte pulsa pelo rigor da plasticidade, pelo vigor da magia. Sem dúvida, trata-se de um bruxo requintadamente sofisticado, de um artista culto radicalmente feiticeiro.
Anulado o conflito erudito/popular, nacional/estrangeiro, culto/não culturado, Mestre Valentim atingiu o ponto de mutação quando, ao expor as vísceras do real, o torna impermanente e relativo, isto é: eterno."
Reynaldo Jardim, 1987 (jornalista e poeta)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 62 (catálogo de exposição).
"Seus relevos brancos de antes, como seus objetos emblemáticos de agora, que Valentim reúne no seu 'templo', são os momentos mais fortemente 'religiosos' de Valentim e ao mesmo tempo mais fortmente construtivos. [...] Religião sem altar, missa sem rito, oração silenciosa e branca. O silêncio favorece o diálogo com a divindade, o branco capta a luz. A arte construtiva, como todas as religiões, quer construir um mundo claro, luminoso, justo, coerente, verdadeiro. [...] Valentim se autodenomina 'teólogo não-verbal', querendo, com isso, aludir ao caráter religioso de sua linguagem essencialmente visual."
Frederico Morais, 1978 (crítico e historiador da arte e curador independente)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 58-59 (catálogo de exposição).
"Em Brasília, são duas as fases. A primeira, e a mais importante [...] é a dos relevos e objetos. A segunda, mais recente, é um retorno à pintura, geralmente na forma de telas pequenas, nas quais as formas-signos começam a ser fragmentadas, perdendo a sua identidade original e levando à não-distinção de forma e fundo. A cor retorna, alegre. Resulta dessa não-distinção entre dar e receber, a meu ver, um aprofundamento da relação do artista com sua arte, mas, principalmente, do artista com o próprio mundo. Seria o prenúncio da maturação derradeira e definitiva do artista e do homem?
Explico-me. Antes, havia uma clara distinção entre fundo e superfície. Tinha-se a sensação de que as figuras eram recortadas e colocadas sobre a tela. Cores fortes e chapadas. Tal sensação era acentuada pela simetria e verticalidade das composições. Esta rigidez, por sua vez, explica a naturalidade com que o artista passou da pintura à forma recortada em madeira. Os relevos, ainda presos à parede, tornaram óbvio aquilo que era virtual. Daí para os objetos foi apenas mais um passo. Nesse momento, o fundo para as formas-altares, sacrais, não era mais a tela-quadro, mas a tela-mundo, o espaço real."
Frederico Morais, 1977 (crítico e historiador da arte e curador independente)
In: MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO. Arte Agora II: Visão da terra. Rio de Janeiro: 1977 (catálogo de exposição).
"A raiz brasileira, mais concludentemente as formas de simbologia mística afro-baiana, foram sendo desbastadas de qualquer circunstancialidade (de cujo pitoresco a pintura baiana de hoje se ressente tanto), e encontram em Rubem Valentim a arte racionalizada e sintética de um construtivismo limpo e lúcido,"
Walmir Ayala, 1973 (escritor, poeta e crítico de arte)
Jornal do Brasil, 24/05/1973, Rio de Janeiro
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 44 (catálogo de exposição).
"Há quase duas décadas, Ruben Valentim se dedica, em cuidadosa evolução consistente, ao aproveitamento de uma mesma evolução residual de arcaísmo, intensificada na sua terra - os cultos e rituais afro-brasileiros - sem se interessar, como é evidente, pelos aspectos puramente folclóricos ou turísticos que nela possam estar contidos; bem pelo contrário, abandona desde logo o sedimento mágico e místico desses signo-símbolos visuais que acompanham e definem cada divindade ou acontecimento do culto, para deles aproveitar apenas, gestaltianamente, a forma original reduzida aos elementos de geometria mais simples. Individualizando-os sobre um espaço neutro e simplificando também o seu registro cromático, em chapadas puras, vibrantes, sem meios tons, Valentim os agrupa então como linguagem abstrata, universalizada na problemática contemporânea da composição pictórica, armado inclusive dessa vontade tão atual de superação do plano pelo espaço, já que seus trabalhos vieram pouco a pouco se transferindo da tela para os relevos em madeira pintada, e destes para os objetos emblemáticos policrômicos de agora."
Roberto Pontual, 1973 (crítico de arte)
In: Arte, Brasil, Hoje: 50 anos depois. São Paulo: Ed. Collectio, 1973.
"Há algo de antropofágico em sua arte no sentido oswaldiano - ser produto de deglutições culturais. Ao transmudar fetiches em imagens e signos litúrgicos em signos abstratos, Valentim os desenraíza de seu terreiro e, carregando-os de mais a mais de uma semântica própria, os leva ao campo da representação por assim dizer emblemática, ou numa heráldica, como disse o professor Giulio Carlo Argan. Nessa representação, os signos ganham em universalidade o que perdem em carga original mágico-mítica. O artista projeta mesmo, abandonando também a fatalidade da tela, organiza seus signos no espaço, talhados como emblemas, brasões, broquéis, estandartes, barandões de uma insólita procissão, procissão talvez de um misticismo religioso sem igreja, sem dogmas, a não ser a eterna crença das raças e povos oprimidos no advento do milênio, na fraternidade das raças, na ascensão do homem.
Deduz-se de tudo isso que o que é primitivo ou elementar, também pode ser contemporâneo. Contemporâneo e primitivo - brasileiro. [...] O Brasil é ao mesmo tempo um anacronismo e uma promessa. A tarefa [de Rubem Valentim] consiste em expressar esse anacronismo, como se se tratasse de uma operação de catarse para a seguir subsumi-lo no universal, ou partem do universo contemporâneo que já está implícito na promessa."
Mário Pedrosa, 1967 (crítico de arte e militante político, vice-diretor da Associação Internacional dos Críticos de Arte)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 39 (catálogo de exposição).
"Porque Valentim não é um artista ingênuo, de cujo pincel fluisse espontaneamente a imaginação popular. Pelo contrário, toda a sua arte se alimenta de uma contradição básica, expressa em cada detalhe dos seus quadros: ele é um artista que constrói conscientemente utilizando elementos mágicos; solicitado pelo fascínio das cores, prefere conter-se e trabalhá-las duramente; impregnado da experiência popular que está na base de sua formação cultural, procura a forma mais elaborada e precisa para exprimi-la. Mas é desse jogo de contrários que resulta a vitalidade de sua arte,"
Ferreira Gullar, 1962 (poeta, dramaturgo, ensaísta e crítico de arte)
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner. Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 36 (catálogo de exposição).
"E inconfundível é a pintura de Rubem Valentim, não tanto pelas formas que usa e sim pela significação que consegue imprimir a elas. Formas geométricas, já as vimos demais, vazias em muitos casos. Mas ninguém dirá que, nos quadros que aqui se expõem, elas são insignificantes. O que as torna inconfundíveis é esse eco indecifrável, esse silencioso eco que rola de uma forma para outra no ritmo de ângulos e das curvasm que brota dos azuis fechados, grita nos brancos, dissolve-se nas terras, e permanece vibrando em todos os pontos do quadro ao mesmo tempo. [...]
Pode-se, a propósito, lembrar o caráter primitivo de sua arte, que não está em nenhum detalhe anedótico, mas na rudeza da formulação, nas composições francas, nas cores buscadas com decisão, nas formas definidas sem truques. É uma arte que se mostra de face, que fere a nossa percepção e, no entanto, a ultrapassa, porque se faz linguagem."
Ferreira Gullar, 1961 (poeta, dramaturgo, ensaísta e crítico de arte)
Exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1961
In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner.
Rubem Valentim: Artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 35 (catálogo de exposição).