Concretismo / Neoconcretismo
Vista com distanciamento, a distinção entre concretismo e neoconcretismo no Brasil ainda nos parece válida, mas tem ficado cada vez mais sutil e diz respeito menos a singularidades factuais que os distancie do que uma convergência e ampliação estética e conceituais que certamente criaram desdobramentos para essas elaborações artísticas, mas que jamais rejeitaram as sólidas bases gerais dos seus contextos de influências, que foram mútuos e contínuos. No âmbito do concretismo brasileiro o início dos anos 50 foram decisivos. Todavia, entre o concretismo e o neoconcretismo não há uma disparidade temporal propriamente, porque foi ali a primeira vez no Brasil que o desdobramento ou a reformulação de um conceito artístico ocorreu de modo tão rápido e com uma tendência em criar uma dinâmica de ruptura tão rígida, mesmo que essa tendência tenha sido esmorecida pelo tempo. O concretismo é geralmente datado de 1950 e o neoconcretismo é geralmente datado do final dos anos 50. O que eles teriam em comum? Em que eles se divergem? No Brasil, tanto quanto no mundo por motivos distintos o construtivismo foi levado a criar respostas a esse pequeno “impasse” cujo fundamento no país era a oposição entre as formas plásticas ditas exacerbadamente “racionalistas” do concretismo paulista do início dos anos 50, e em outras manifestações artísticas não figurativas, porém ainda “geométricas”, com o aparecimento de artistas no Rio de Janeiro entre 1957-59 que propuseram formas plásticas que também autointituladas concretas, mas com uma certa dose de movimento, organicidade e sensualidade, por assim dizer, criando o termo “neoconcretismo”. Um “Manifesto Neoconcreto” foi publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil e serviu como texto curatorial da 1ª Exposição de Arte Neoconcreta, no MAM/RJ (1959). Por outro lado, ao mesmo tempo, essas oposições entre as plásticas concretistas ora consideradas “sutis” irão encontrar, no campo da literatura, correspondências muito menos graves. De um lado do “ringue literário” Haroldo de Campos (1929-2003) e Augusto de Campos (1931) e Décio Pignatari (1927 - 2012) e “do outro” Mário Pedrosa (1900-1981), Ferreira Gullar (1930), entre outros, que no fundo nunca deixaram de ser poetas brilhantes num mesmo barco que segue numa mesma direção.
As mudanças sociais provocadas pelo avanço urbanista e as consequentes influências da modernidade no mundo das artes fez do geometrismo modernista ser ainda relativamente insipiente se comparado às construções que adviriam das experiências plásticas do abstracionismo geométrico. Ora, o abstracionismo em si mesmo enquanto um movimento já era antigo. Ele foi desenvolvido nos movimentos modernistas europeus desde pelo menos 1917 e experimentou rumos distintos nos anos 30, quando alguns designers gráficos (que se fixe isso) como o holandês Theo Van Doesburg (1883-1931), (contemporâneos inclusive dos outros modernistas como Picasso (1881-1973), Jean Metzinger (1883-1956), George Braque (1882-1963) entre outros) defenderam em termos teórico-práticos a submissão das formas ao dogma das construções rigorosamente abstratas e geométricas. Doesburg, o “papa” desse novo movimento chegou a lecionar na Bauhaus, de onde saiu outro designer gráfico que seria decisivo para a criação do concretismo no Brasil, o suíço Max Bill (1908-1994). Tanto a antiguidade desse movimento rigidamente implantado no ápice urbanista europeu quanto a sua durabilidade e extraterritorialidade quando do aparecimento do ápice urbanista em alguns países da América Latina, como foi o caso do Brasil amplia a sutileza das distinções entre concretismo e neoconcretismo, mesmo que as distinções entre concretos e neoconcretos ainda se manteriam patentes ao longo de muitos anos.
Embora os neoconcretistas do Rio de Janeiro irão nos próximos anos testar as margens disso, a rigor, o modelo concretista (“paulista”) foi avesso ao uso simbólico ou a propensões líricas que possam vir a dar margens interpretativas que remetam as formas artísticas a outras formas que não a elas próprias. Trata-se, entre outras coisas, de um cuidado, de uma prevenção contra o psicologismo. É justamente aí que as oposições entre o que seria concreto e o que seria abstrato faria vir à tona determinadas reações advindas sobretudo do campo político, mais do que no “meramente” artístico. A relativa liberdade que os artistas Russos, por exemplo, tiveram até os anos de 1930, antes da imposição do realismo socialista, permitiram-nos elaborar expressões como o “suprematismo” com Kazemir Malevich (1878-1935), o “raionismo” com Mikhail Larionov (1881-1964) e Natalia Goncharova (1881-1962) e por fim, o “construtivismo” com Vladimir Tatlin (1885-1953) – todas essas, aliás, tendências consideradas “exacerbadamente racionalistas” pelos neoconcretos do Rio de Janeiro. Assim, a ponte entre as expressões artísticas que opõem os conceitos de pura visualidade da forma ao uso livre da sensualidade e cor, reduzindo um pouco numa oposição famosa que hoje se tornou fábula acadêmica: “Arte pela Arte ou Arte Política”? dois lados de uma mesma moeda que um pouco determinou tudo o que veio depois da “era das vanguardas”, especialmente a demarcação entre o que é a necessária “autonomia da arte”, de um lado, e o resgate da subjetividade por meio das articulações igualmente necessárias entre arte e vida, de outro.
No glorioso ano de 1951, Max Bill deu continuidade ao projeto da Bauhaus criando a “Escola Superior da Forma”, nesse mesmo ano obras suas puderam ser vistas no MASP de São Paulo, no mesmo momento em que o jovem Ivan Serpa (1923-1973) iniciou sua busca construtiva pela abstração geométrica e pela organização matemática de suas telas e no mesmo ano ainda que a jovem paulistana-mineira Mary Vieira (1927-2001) foi viver na Suíça, estudar com o mestre Max Bill e fazer belíssima carreira construtivista.
As “rupturas” e as “disrupturas” mostraram se como confrontos enriquecedor da arte brasileira e criou um campo para sua entrada do modernismo na sua maturidade. Este choque, portanto, foi um catalisador importante para preparar o contexto artístico brasileiro para a repressão artística provocada pela ditadura na década seguinte. Mas antes dos “inimigos artísticos” deixarem-se de se voltar para si e voltarem-se para este outro inimigo comum, havia de um lado do ringue plástico o “grupo ruptura” de Geraldo de Barros (1923 - 1998), Luiz Sacilotto (1924 - 2003), além do porta-voz oficial do grupo, Waldemar Cordeiro (1925 - 1973), assim por diante. E de outro lado, os “neo concretos cariocas” Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Amilcar de Castro (1920-2002), Hélio Oiticica (1937-1980), Franz Weissmann (1911-2005), Abraham Palatnik (1928), entre outros, no centro de tudo isso, aquela que não admite divisões, litígios ou contendas que durem para sempre: a arte.
Fontes de pesquisa:
Páginas da Internet (acessadas em 25/04/2017)
http://www.bienal.org.br/exposicao.php?i=2266
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo370/concretismo
http://www.mariosantiago.net/textos%20em%20pdf/manifesto%20neoconcreto.pdf