Ofícios e corporações no Brasil escravocrata


Foi ao longo do século XI, no bojo do processo de desenvolvimento urbano europeu, que surgiram as corporações de ofício. O regime corporativo (unidades de produção artesanal, baseadas no principio da hierarquia: mestres, oficiais e aprendizes) chegou à colônia portuguesa do Brasil no século XVII, portanto, como exercício de homens livres.

Na colônia, no entanto, o trabalho manual era considerado coisa própria de escravo e a maioria dos trabalhadores livres buscava se distanciar deste tipo de trabalho, para não deixar dúvidas quanto a sua condição social. É desta forma que muitos negros escravizados tornaram-se aprendizes, oficiais e, em menor escala, mestres de corporações de ofício.

Os ofícios existentes na colônia estavam ligados à demanda do mercado interno e estenderam-se desde atividades ligadas à alimentação até a cura de enfermidades. As corporações, por sua vez, agrupavam-se em bandeiras relativas aos santos protetores dos ofícios e estavam ligadas às irmandades religiosas. Assim é que os carpinteiros, ao lado dos marceneiros e entalhadores agrupavam-se sob a Bandeira de São José, enquanto os ferreiros, ao lado de serralheiros, barbeiros e espadeiros agrupavam-se sob a Bandeira de São Jorge.

Entre os diversos ofícios, os negros destacaram-se em pelo menos três atividades: ourives, ferreiros e barbeiros.
A ourivesaria foi o ofício que concentrou o maior número de oficiais de origem negra. Os conhecimentos trazidos do continente africano, aliados à alta demanda por joias e adornos, tornou lucrativo o aluguel de escravos oficiais de ourivesaria. As joias crioulas que ornamentavam os pulsos, colos e orelhas das negras das irmandades baianas e mineiras atestam a presença do artífice negro nas corporações de ourives.

A produção de ferro teve início no Brasil ao longo do século XVIII, na região de Sorocaba - SP, aproveitando o minério lá encontrado e as técnicas e conhecimentos trazidos por escravos africanos. Mais tarde, no século XVIII, a exploração de ouro e a alta demanda por produtos de ferro nas Minas Gerais propiciou o surgimento da várias pequenas usinas metalúrgicas, a maior parte delas formadas por aprendizes e oficiais negros.

A pequena quantidade de médicos e cirurgiões na colônia tornou o trabalho de cirurgião-barbeiro muito comum nas cidades. Estes trabalhadores, negros e pardos em sua maioria, eram especializados em práticas de sangria, incisão, aplicação de ventosas e extração de dentes. O Ofício não passou despercebido aos olhos atentos de Debret: “Em cada bairro da cidade, há um cirurgião africano, cujo gabinete de consulta, renomado, esta instalado sem cerimônia à porta de uma venda (mercearia). Generoso consolador da humanidade negra, dá suas consultas gratuitas. Mas, como os remédios prescritos sempre têm alguma preparação sábia, fornece os medicamentos mediante pagamento”.

A partir de 1808, o interesse da coroa real portuguesa - recém-chegada ao Rio de Janeiro - em aumentar a dependência externa do Brasil, aliado à abertura dos portos da colônia para os produtos ingleses - que pagavam impostos ínfimos - as corporações de oficio foram minguando, até serem extintas pela constituição em 1824.


Núcleo de Pesquisa do Museu Afro Brasil - Nov.2012



Fontes:

ARAÚJO, Emanoel (org). A mão afro-brasileira: significado da contribuição artística e histórica. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Museu Afro Brasil, 2010.
BANDEIRA, Julio e LAGO, Pedro Corrêa do. Debret e o Brasil. Rio de Janeiro: Capivara Ed. 2007.
CUNHA, Luiz Antônio. O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros na Brasil escravocrata. São Paulo: Editora UNESP; Brasília, DF: FLACSO, 2005.
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1940.