Dorival Caymmi

(Salvador, 1914 – 2008)

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Dorival Caymmi nasceu no ano de 1914, na cidade de Salvador, em uma rua que hoje traz o nome do poeta e abolicionista Luiz Gama. O bebê foi trazido ao mundo pela parteira da família, Dona Quinquinha, que já havia “aparado” seu pai e seu irmão mais velho, Deraldo. Dorival, batizado na Igreja de Santana, era o quarto filho da família do casal Durval Caymmi e Aurelina Cândida Soares, conhecida como Dona Sinhá. Iôiô, apelido do pai de Dorival, era um mulato charmoso e festeiro, que tocava violão e gostava de andar sempre bem alinhado. Dona Sinhá, por sua vez, era moça séria e inteligente, que estava sempre de olho nas escapadas do marido. A gestação do segundo filho fora toda feita na Ilha de Itaparica, cercada pelo belo mar da Bahia que anos depois seria cantado pelo rebento em gestação.  

Nasceu na infância o amor de Dorival pelo mar e pela música. Quando tinha dez anos, desenvolveu sozinho habilidade para a pintura e seu gosto pelas janelas, de onde observava as belezas arquitetônicas da cidade e também o mar, sua paisagem preferida. Aos onze anos o garoto costumava pegar escondido o violão do pai, para imitar os artistas que ouvia no rádio. Foi o tio materno, Cici, que participava dos saraus da família, quem lhe ensinou os primeiros acordes no violão. 

Depois de algum destaque cantando em rádios de Salvador, Caymmi decidiu ir para o rio de Janeiro. Assim, em 1938, às vésperas de completar 24 anos, desembarcou na então Capital Federal, onde encontraria o seu primo José Brito Pitanga, que iria lhe ajudar nos primeiros meses de estadia na cidade maravilhosa. Não demorou muito até Pitanga conseguir uma indicação para Dorival cantar no rádio, e foi na Tupi que o jovem músico baiano teve a chance de mostrar pela primeira vez suas composições e a sua voz. Logo, Dorival assinaria contrato com a rádio Transmissora, para depois chegar à famosa Rádio Nacional. Caymmi entrou para o rádio no auge da chamada “Época de Ouro” do meio de comunicação e aos poucos se consolidou como o principal nome da última fase dessa época (1942 – 1945). O fato de o baiano cantar suas próprias composições, situação rara para a época, era admirado por todos, já que geralmente os compositores não gravavam suas músicas, pois nem sempre eram bons cantores.

Foi em 1939, por ocasião da gravação do filme Banana da Terra, que contava com grande elenco e tinha como principal estrela a atriz e cantora Carmen Miranda, que Caymmi alcançou o seu primeiro sucesso como compositor. O já renomado músico Ary Barroso era um dos compositores que teria seus sambas interpretados pela pequena notável especialmente para o filme. No entanto, como Barroso pediu um valor exorbitante para permitir a gravação de seus dois sambas, sendo um deles “Na Baixa do Sapateiro”, o produtor do filme optou por buscar outra composição. Foi informado então de que havia uma música muito especial sobre a Bahia, composta por um novato músico baiano chamado Dorival Caymmi. Encantado com a possibilidade de ter uma canção de sua autoria gravada pela grandiosíssima Carmen Miranda, cantora que ele admirava, o compositor aceitou a modesta oferta e fez participação gravando o coro da música. Assim, “O Que é Que a Baiana Tem”, entrou para o filme e tornou-se um sucesso na voz da pequena notável, com destaque no Rio de Janeiro, em todo Brasil e até no exterior. O sucesso alçou Caymmi a um dos principais compositores da época e rendeu uma brilhante parceria com a cantora, que gravaria ainda muitas outras músicas do compositor baiano, como “Roda Pião” e “O Dengo”, por exemplo. 

A década de 40 foi especialíssima para a carreira musical e também para a vida pessoal de Dorival Caymmi. Enquanto a cidade do Rio de Janeiro passava por inúmeras mudanças, muitas delas provocadas pela instabilidade internacional que a segunda guerra gerava, Carmen Miranda brilhava nos Estados Unidos e o compositor baiano colhia os frutos do seu primeiro sucesso e se enturmava com a elite intelectual carioca, formada por jornalistas, escritores, músicos, artistas e políticos. Foi logo no início da década que Dorival conheceu aquele que seria seu grande amigo e irmão, Jorge Amado. Ao lado de Jorge e Caymmi conviviam personalidades como Carlos Lacerda, Ziloca, Samuel e Bluma Wainer, Noel Nuts, Moacyr Werneck de Castro, entre outros. E foi para este grupo de amigos que, em um almoço organizado por Jorge Amado, Dorival Caymmi apresentou a sua noiva Stella Maris. O músico baiano havia conhecido Stella no ambiente pomposo do rádio, já que a loira alta e elegante era uma das cantoras da emissora Mayrink Veiga. Em 1940 os dois oficializaram o noivado naquele almoço entre amigos, ao sabor do vatapá de Jorge Amado e dois meses depois, em 30 de abril de 1940, quando Caymmi completava 26 anos, se casaram. Stella Maris viria a ser a esposa de Dorival pelo resto da vida e mãe de seus três filhos, Nana, Dori e Danilo. 

Em 1941, ano de nascimento de Nana, a primeira filha do casal, Caymmi realizou com sucesso uma turnê pelo nordeste, com apresentações no Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia, retornando ao Rio em 1942. No ano seguinte, enquanto o renomado grupo Anjos do Inferno gravava “Vatapá” e “Rosa Morena” com sucesso, nascia Dori Caymmi, o segundo filho de Dorival e Stella. Naquele mesmo ano, o músico seria presenteado com o violão Di Giorgio autografado pelos amigos, que logo se tornaria sua marca registrada e faria com que, por onde passasse, o baiano colhesse novas assinaturas dos amigos famosos. O ano de 1944 foi de estrondoso sucesso, pois Dorival Caymmi estrelaria o espetáculo Jangadeiros no renomado grill-room do Copacabana Cassino Teatro, do famoso hotel Copacabana Palace. O show, preparado especialmente para aquela temporada, contou com grandes nomes da música brasileira do período como o maestro Radamés Gnattali, a cantora Carmen Costa e o cantor Nelson Gonçalves, entre outros. 

Na segunda metade dos anos quarenta, após o término da segunda grande guerra, Paris e outras cidades europeias deixaram de ser modelo urbano para o Brasil e deram lugar à cultura norte-americana que invadia o país. Nesse novo contexto, as composições de Dorival também mudaram. Ele deixava a sua fase das “canções praieiras” do início de carreira, para agora adotar uma linguagem musical mais “urbana”. São desta nova fase “Marina” (1947), “Saudade” (1948) e “Nunca Mais” (1949), por exemplo. Ao longo deste período, com o fechamento dos cassinos e a consequente diminuição dos shows, Dorival pôde se dedicar com mais tempo à outra de suas paixões, a pintura. O músico passava boa parte do tempo que tinha de folga a pintar telas a óleo, que ele não vendia, mas com os quais às vezes presenteava seus amigos e familiares. Em 1948 nascia o terceiro filho do casal Caymmi e Stella, o caçula Danilo. 

Com a mudança do circuito artístico-musical carioca da Lapa e regiões centrais da cidade para a zona sul, onde estavam sendo inauguradas as novas boates e casas noturnas, menores e mais aconchegantes do que os antigos cassinos, Caymmi soube rapidamente se adaptar à nova cena. E lá foi o baiano, no início da década de 50, lotar as boates Acapulco e Fleir com seu violão e vozeirão. Mas além das boates cariocas, Caymmi também realizava apresentações periódicas em São Paulo, cidade que adorava, muito em razão da sua animada noite. O ano de 1953 guardou duas grandes surpresas para Caymmi. Primeiro ele se apresentou para o então presidente Getúlio Vargas, que admirou com entusiasmo suas composições. Depois, o artista foi homenageado na sua terra natal, quando foi inaugurada a Praça Dorival Caymmi, em Itapuã, com grandes celebridades, artistas e políticos ilustres da Bahia e do restante do Brasil.                 

Em 1955 Caymmi e a família se mudaram para São Paulo, lugar no qual moravam alguns dos principais amigos do compositor e onde Caymmi tinha uma plateia fiel e apaixonada. No entanto, a família não se adaptou e menos de um ano depois voltaram para o Rio de Janeiro e para Copacabana, enquanto Dorival e seu violão voltavam com sucesso para as boates do famoso bairro. Apesar de bastante curta, a temporada na capital paulista rendeu a Dorival a composição que se tornaria um de sues maiores sucessos: “Maracangalha”, composta em seu apartamento em São Paulo, enquanto se lembrava de seu colega de infância Zezinho, que costumava dizer “Eu vou pra Maracangalha”. O samba foi gravado no Rio em 1956 e lançado pela Odeon no carnaval do ano seguinte, quando fez estrondoso sucesso. Com os lucros dos direitos autorais, a família Caymmi construiu uma casa na estrada Rio-Petrópolis, que foi batizada com o nome da cidade baiana que inspirou a canção. No mesmo ano de 1957, enquanto seu samba “Saudade da Bahia” estourava, o cantor fez uma temporada em Portugal, acompanhado de uma comitiva que contava com Odorico Tavares e Dóris Monteiro.

O ano de 1958 marcou o surgimento da Bossa Nova, com o lançamento de Chega de Saudade, disco de João Gilberto com arranjos de Tom Jobim e que contava com a canção “Rosa Morena”, de Caymmi. O compositor baiano foi apontado como uma das grandes influências do movimento que rompia com as canções que faziam sucesso no rádio até então. Caymmi era amigo de Tom Jobim e admirador da bossa de João Gilberto, que por sua vez era bastante amigo da família Caymmi, principalmente da esposa do compositor. Com a emergência do novo estilo, a geração de Dorival perdeu gradualmente espaço na televisão e no rádio, embora o baiano tenha sido um dos músicos que menos sentiu os efeitos da ruptura. De qualquer forma, ainda não era tempo de se aposentar e a década de sessenta começou profícua para Caymmi, com a gravação de dois LPs: Caymmi e Seu Violão e Eu Não Tenho Onde Morar, ambos lançados pela Odeon. O segundo LP marcou a estreia da filha primogênita do cantor, Nana Caymmi, que gravou “Acalanto” acompanhada pelo pai.

A temporada de Caymmi, Vinicius de Moraes e as meninas do Quarteto em Cy na boate Zum Zum, nos anos 1964 e 1965, foi um tremendo sucesso, tendo a casa lotada quase todas as noites. O espetáculo inclusive rendeu um disco, lançado no final de 1967. Também em 1967, um pouco antes, enquanto passava férias na cidade de Salvador, Caymmi foi atração principal da festa de inauguração do teatro Castro Alves. A década de 70 foi de inúmeros sucessos e homenagens para Dorival. O cantor se mudou com a família para Salvador, com o apoio do governador da cidade e dos amigos soteropolitanos. Foi nessa época, quando Caymmi e a esposa passaram a frequentar os candomblés do Gantois e o Ilê Opô Afonjá, que o músico compôs a canção “Oração de Mãe Menininha”, que fez bastante sucesso. Em 1975 um novo sucesso, a música “Modinha de Gabriela”, gravada na voz de Gal Costa. A canção havia sido composta especialmente para a novela Gabriela, baseada no romance do amigo Jorge Amado, Gabriela, cravo e canela. Em 1979 ele realizou na Bahia o aclamado show Caymmi em Concerto, dirigido por Hemínio Bello de Carvalho.

De volta ao Rio de Janeiro e à Copacabana, no início da década de 80 o compositor baiano realizou viagens ao exterior, para Angola, onde se apresentou ao lado de outros músicos brasileiros como Chico Buarque, Clara Nunes e Conjunto Nosso Samba, e para a Martinica, onde realizou apresentação individual. Depois, em 1983, chegou a vez da Itália, onde apresentou-se em Roma no Festival “Bahia de Todos os Santos”, com grande sucesso. Ao retornar ao Brasil, o compositor recebeu o Prêmio Shell de Música Brasileira, pela sua obra e carreira artística. Em 1984, ano de comemoração de setenta anos de Dorival, foram realizados inúmeros shows e homenagens ao compositor. Na Bahia, além dos shows do Festival Caymmi, o compositor recebeu o honroso título de Doutor Honoris Causa pela Universidade da Bahia. Na capital fluminense, o compositor recebeu o título de Cidadão Honorário e foi realizada uma nova exposição de suas pinturas, desta vez na Galeria da Funarte. Foi também a Funarte que produziu, agora em São Paulo, um show que reuniu os filhos do casal Caymmi: Dori, Danilo e Nana, em homenagem ao pai. No exterior, o músico foi comemorado na França, quando participou do Festival de Nice e foi condecorado no Palais Royal pelo ministro da Cultura da França. No ano de 1986, Dorival foi homenageado na Marques de Sapucaí. A Estação Primeira de Mangueira, Escola de Samba do coração do compositor, escolheu o baiano como tema para o desfile daquele ano. O samba-enredo fez um grande sucesso e é lembrado ainda hoje nas rodas de samba Brasil afora. Caymmi ficou felicíssimo com a homenagem e participou dos ensaios e dos desfiles da Escola, que se sagrou campeã do carnaval.

A década de noventa trouxe para Caymmi a tranquilidade de um aposentado. O compositor se revezava entre suas casas no Rio de Janeiro, Rio das Ostras (RJ) ou em Piqueri (MG), sempre se dedicando a pintura e leituras diversas. Mas ainda não era tempo de deixar de se apresentar. Nos shows, que escasseavam, era quase sempre acompanhado pelos filhos Nana e Danilo, e vez ou outra também por Dori, que morava nos EUA. A Apresentação no Festival de Montreux em 1991 foi um sucesso, assim como o lançamento do Songbook de Dorival Caymmi em 1993. Os oitenta nos do compositor foram comemorados com diversos shows e homenagens em 1994. As celebrações da exitosa carreira do músico baiano se estenderam anos dois mil adentro. Em 2006 Dorival recebeu o Prêmio Nacional Jorge Amado de Literatura e Arte. 

Caymmi faleceu no dia 16 de agosto de 2008, no Rio de Janeiro, aos 94 anos, vítima de um câncer renal descoberto em 1999. Na época, Stella, companheira de Dorival por 68 anos, estava mal de saúde e havia sido internada em abril daquele ano, situação que teria abalado o baiano emocional e fisicamente. Seu corpo foi sepultado no cemitério São João Batista, próximo à sepultura de Carmen Miranda, intérprete que o compositor ajudou a consagrar. Hoje existe no Leblon uma rua com o nome do músico, que foi o baiano mais carioca que o Brasil já viu.     
 

Fontes e Referências

AMADO, Jorge. Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e mistérios. Desenhos de Carlos Bastos. 27ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1977.

CARYBÉ. As Sete Portas da Bahia: texto e desenhos de Carybé; prefácio de Jorge Amado. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Record, 1976.  
CAYMMI, Dorival. Cancioneiro da Bahia. Ilustração de Clovis Graciano; Prefácio de Jorge Amado. São Paulo: Martins, 1947.
CAYMMI, Stella. Dorival Caymmi: o mar e o tempo. São Paulo: Editora 34, 2011.
SALAH, Jacques. A Bahia de Jorge Amado. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 2008.  
     
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