No dia 21 de setembro, das 15h às 17h, realizamos o seminário "Do desejo do ideal ao contexto do possível: responsabilidades e protagonismos na cocriação dos acessos em instituições". O evento marca o Dia Nacional da Luta da Pessoa com Deficiência.
O encontro teve a participação de 5 mulheres com e sem deficiência, especialistas em acessibilidade e inclusão: Isadora Nascimento, Lara Souto Santana, Yanna Porcino, Lígia Zamaro e Geanine Vargas Escobar.
Elas falaram sobre as responsabilidades para a criação de acessos em instituições culturais. Também fizeram reflexões sobre o protagonismo de profissionais com e sem deficiência de diversas áreas na cocriação da acessibilidade e de práticas anticapacitistas na cultura. O evento teve a curadoria de Junior Nascimento, da Cultura de Acesso - negócio de impacto social especializado em projetos digitais, de educação e de práticas museológicas anticapacitistas.
Este seminário faz parte do projeto “Singular Plural Rubem Valentim”, contemplado pelo edital ProAC 2023 por meio do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas e realizado pelo Museu Afro Brasil Emanoel Araujo.
Durante o encontro, as reflexões das participantes levaram o público a pensar sobre possibilidades reais para que a transformação da acessibilidade em instituições culturais seja constante. Destacamos algumas delas que Lígia e Lara trouxeram e que fizeram parte do evento:
- Antes de pensar no futuro, quais recursos nós temos hoje para cocriarmos mais acessos? E como podemos pensar nesse tema de uma forma interseccionalizada e transversal?
- Considerando nossas interseccionalidades, como podemos expressar e valorar os direitos das pessoas diversas que estão dentro e fora das ações das instituições?
- Como podemos agir para mudanças cotidianas que considerem o protagonismo de pessoas com e sem deficiência - sejam elas públicos e pessoas que trabalham nas nossas instituições?
Responsabilidades e protagonismos
Quando falamos de acessibilidade, é comum que as organizações e as pessoas envolvidas nas ações foquem na construção de um ideal de acesso. Em alguns casos, esse enfoque tem como resultado o movimento inverso, mas muitas vezes paralisante, já que nem sempre é possível o ideal de tempo, de orçamento, de conhecimento, entre outros. A cocriação de acessos é de responsabilidade de todos e se dá como discutido nesse seminário dentro do contexto do possível das instituições.
“A partir do momento em que temos determinados conhecimentos, nós temos responsabilidade em relação a eles. Muita gente até romantiza a acessibilidade, mas para mim ela é uma urgência. Precisamos pensar muito na responsabilidade que cada um tem de fazer essa mudança”, afirma Lara Souto Santana. Ela é mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora em acessibilidade.
Entre as reflexões, Yanna Porcino, artista, tradutora e consultora de Libras, criadora do Instagram “Meus Sinais Expressam”, destacou o capacitismo em relação às pessoas surdas que decorre de uma compreensão histórica equivocada sobre a experiência da falta de audição como uma das barreiras para a construção dos acessos. “Aristóteles em seu discurso dizia que as pessoas surdas não eram capazes de pensar e esse estereótipo é reforçado até hoje. Não se deve confundir o pensar com as capacidades de ouvir e de falar. A gente precisa apagar essa imagem capacitista para convivermos melhor”.
Nessa mesma perspectiva, Isadora Nascimento, advogada, especialista em Cidadania e Direitos Humanos, destacou que muitas vezes a história de pessoas negras com deficiência é contada pela ótica do capacitismo. “É uma perspectiva que nos reduz a estereótipos, limitações e falta de potencial. Essa história desumaniza ao invés de revelar a nossa pluralidade. É fundamental que a gente ocupe esses espaços não apenas como parte de uma memória, mas como pessoas que têm o direito de conhecer e de contar outras histórias”, conta.
O protagonismo e a diversidade nas equipes
E o protagonismo da pessoa surda na sociedade? Yanna falou sobre a importância
desse protagonismo nos espaços culturais e o desafio de que muita informação tem sido transmitida de forma errada por diversos profissionais. “Vocês já viram pessoas surdas em ambientes culturais? Precisamos abrir espaços para que profissionais surdos também atuem como profissionais pra gente construir uma sociedade mais inclusiva, melhor e mais diversa. Percebemos poucas pessoas surdas nesses espaços e profissionais que falham muito na acessibilidade na hora de fazer traduções. E isso é muito perigoso: passar uma informação deturpada para as pessoas surdas”, diz Yanna.
Geanine Vargas Escobar, pesquisadora, ativista cultural e doutoranda em Museologia, destacou alguns desafios do campo museal. “O campo museal tem falhado em várias questões. Uma delas é quando a maior parte dos museus tradicionais têm equipes formadas em sua maioria por pessoas brancas, cisgêneras, heterossexuais, normativas, sem deficiência. E essas pessoas muitas vezes se preocupam em trazer artistas diversos, racializados, indígenas, negros. Apesar disso, elas não se preocupam em fazer seu dever de casa, seu letramento racial, e até mesmo de contestar sua própria branquitude e seus privilégios dentro desses espaços museais”, detalha.
Segundo Júnior Nascimento, é importante revisitarmos as falas dessas mulheres desse encontro diversas vezes para que tudo isso sobre esses acessos não fique apenas no discurso. “É preciso que isso fique tangível no programa, no projeto, no processo e na vida das pessoas. E que isso também tenha ressonâncias dentro e fora do museu, na comunidade, no bairro, na cidade e assim por diante. A prática é contingente. Estamos falando que na prática e no contexto do possível existem contingências. Não dá para ficar olhando para o desejo do ideal, do melhor momento de ter estrutura específica porque as pessoas com deficiência estão cansadas de esperar. Assim como pessoas negras, LGBTs, idosas, e assim como várias outras populações. Porque o momento do acesso é agora”, afirma.
Sobre as especialistas
- Isadora Nascimento: advogada, especialista em Cidadania e Direitos Humanos e em advocacia feminista e em direitos da mulher, produtora de conteúdo do “Olhar Cotidiano”.
- Lara Souto Santana: é mestre em Letras pela USP, consultora em acessibilidade, audiodescrição e educação inclusiva.
- Yanna Porcino: artista, graduada em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco, tradutora e consultora de Libras, criadora do Instagram “Meus Sinais Expressam”.
- Geanine Vargas Escobar: pesquisadora e ativista cultural. Doutoranda em Museologia, Bolseira de Doutoramento FCT no Departamento de Museologia | ULusófona, Lisboa.
- Lígia Zamaro: mediadora do seminário, mestre em Artes Visuais pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Acessibilidade em Ambientes Culturais, especialista em Educação para Acessibilidade no Sesc São Paulo.