Um Certo Paulo Mendes da Rocha

23 de maio de 2021
Nesse domingo de maio de "neblinas frias" e céu cinzento chega a notícia da morte do grande Paulo Mendes da Rocha, arquiteto de renomado talento, um inventor célebre desse século XX, do qual poucos vieram até aqui, a esses tempos perversos de hoje.

Muitos o tratavam como Paulinho e foi assim que eu o conheci, em 1992, como conselheiro da Pinacoteca do Estado, quando da minha chegada àquela instituição paulistana. Instituição essa que ocupava o prédio do Antigo Liceu de Artes e Ofícios, o belo edifício inacabado de um outro grande arquiteto, Ramos de Azevedo, na Avenida Tiradentes, onde outrora existiu o grande monumento em sua honra, de autoria do escultor Galileo Emendabili.  

Naquele momento, o Secretário de Cultura era Adilson Monteiro Alves, famoso por ter criado a Democracia Corinthiana. Havia ainda Newton Mesquita, Zélio Alves Pinto, além de Ricardo Ohtake e muitas outras pessoas nos bons tempos da cultura paulista. E tinha ali, bem perto, Paulo Mendes da Rocha, de pronto nascendo uma amizade.

Quando autorizado pelo secretário a convidá-lo para a reforma do velho museu, eu prontamente, busquei uma sala e disse: “Paulo, aqui está a mesa de Ramos de Azevedo, pode trabalhar, depois falaremos de valores com sua equipe”. 

Veio então Eduardo Colonelli e começaram assim os trabalhos que eram ainda incipientes quando, na mudança de governo, chegou Mario Covas, nomeando Marcos Mendonça como Secretário da Cultura.  

Um dia, a adida cultural da França no Brasil, Dominique Besse, veio à Pinacoteca com o diretor do Museu Rodin de Paris, Jacques Vilain. Ele procurava um espaço para a exposição Rodin em São Paulo. Passado algum tempo, ela me entregou um telegrama de Vilain, escolhendo a Pinacoteca para a exposição, dizendo: ”Rodin escolheria esse espaço para expor suas obras. Por sua atmosfera e por sua luz, aqui é o espaço!”. 

Necessária se faz essa introdução para dizer que o grande escultor francês foi o começo da grande reforma do Edifício de Ramos de Azevedo. Junte-se a ele a atuação do então Governador Mario Covas, do Ministro da Cultura Francisco Weffort, do banqueiro José Safra e de Marcos Mendonça, naturalmente.

Paulo Mendes da Rocha e sua equipe armaram o conceito da grande reforma, vivenciando o dia-a-dia de museu, nos mínimos detalhes, para seu funcionamento pleno. Penso que essa reforma manifesta a genialidade de um grande arquiteto e organizador de novos espaços, com suas transparências, com a mudança da nova entrada em frente à Estação da Luz, nos levando a passar pelas pontes de aço, por entre os grandes pátios cobertos que conduziam até o Jardim da Luz. Creio que, pela primeira vez, um arquiteto pode introduzir num Edifício do século XIX uma modernidade, tão eloquente, tão contemporânea na definição e na funcionalidade dos espaços, na luz transversal dos tetos de vidro, enquadrados numa geometria funcional.

O projeto Pinacoteca foi prestigiado pelo arquiteto catalão Josef Botey, responsável pela restauração do bairro Gótico de Barcelona, pelo arquiteto e historiador Carlos Lemos, por Zeca de Almeida, então presidente do Condephaat, além de Carlos Perroni e Radhá Abramo. Diante da grandeza do projeto do Museu, convidamos o designer e iluminador italiano Piero Castiglioni, responsável por projetos em museus europeus. E, assim, a luz se fez, para arrematar a obra do Paulo Mendes da Rocha.

Logo veio o seu primeiro Prêmio Mies Van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana e, logo em seguida, o segundo, para provar a sua genialidade, que ainda pode ser vista na cidade de Lisboa, no seu belo projeto do novo edifício do Museu dos Coches, tradicional museu lisboeta.

Quero ainda aqui lembrar de uma das suas últimas obras, a capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, situada na Oficina Francisco Brennand, na Várzea, no Recife. Uma obra delicada, luminosa e transparente, contornando com vidros uma antiga ruína com arcos, em cujo interior há a nave central e, no seu espaço interno, lápides dos ancestrais da família. Um campanário e uma pia batismal completam esse belo conjunto arquitetônico.

Mais uma vez, seu anjo da guarda, o arquiteto Eduardo Colonelli lhe faria companhia nesse empreendimento. 

A partida desse grande artista da arquitetura nos cobre de tristeza. Nos deixa também vazios, sobretudo, pelos seus desafios, sua eloquente verve de um apaixonado pelos espaços, criados por ele.

Poucos como Paulo Mendes da Rocha souberam edificar, com tanto talento e elegância, os desafios de transformar espaços em vida e luz.

Emanoel Araujo

 



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  • 1º de janeiro