Coleção de Arte Indígena do Museu Afro Brasil: os negros da terra
Meninos eu vi! Por favor, ouçam a voz do timbira, ouçam a voz do guerreiro valente, ouçam a voz do cantor - quando o audaz Marechal Rondon (1865-1958) republicano e abolicionista iniciou seu desbravamento pelas bandas dos “negros da terra”, ele próprio um descendente de indígenas Bororo, Terena e Guará, muito pouco restava ainda daquelas antigas glórias dos “guerreiros valentes”, cantados em Juca Pirama por Gonçalves Dias. À luz do extermínio indígena sua arte e cultura material se esvaíram igualmente. Quantos não seriam ou deveriam ser as exposições e museus indígenas Brasil afora? São hoje pouco mais de 900 mil índios que a estatística oficial (Censo do IBGE, 2010) enumera, remanescentes da grande “aldeia” de milhões de indígenas viventes no Brasil de antes de 1500, hoje assimilados ou extintos. Darcy Ribeiro, em 1957 nos alertou que dos 230 grupos étnicos indígenas existentes em 1900, apenas 143 restaram pra contar a história, cinquenta anos depois. Ou seja, foram 87 comunidades indígenas exterminadas em apenas 50 anos! Hoje, contudo, resistem os negros da terra, os primeiros escravizados e os últimos libertos, complementação de mão-de-obra ainda “escrava”, que dormitam em reservas isoladas sobre inúmeras riquezas abaixo de seus pés.
Nas linhas, cores, figuras e técnicas de produção de sua cultura material se vê a mesma elegância sutil que deixou alvoroçadas as cabeças de viajantes europeus como Spix e Von Martius, embasbacados já no século XIX pela riqueza cultural e material dessas gentes que ainda resistiam por aqui. Tanto por sua habilidade em produzir sua artesania, quanto por seu estilo de vida e sua humanidade a resistência indígena pode ser identificada na permanência de sua desenvoltura ecológica e na precisão de seu fazer artístico. Como donos da terra, tanto a nomeclatura de plantas, lugares, comidas e animais, como jacaré, sabiá, cutia, Guaratinguetá, Tatuí, Araraquara, abacaxi, capim, etc., como o aparecimento de termos do nosso cotidiano tais como: pindaíba, mirim, toró, jururu entre outros, perfazem para altivez deles e nossa a própria identidade brasileira. Com eles aprendemos a nos alimentar de mandioca, milho, guaraná, pamonha, povilho, amendoim, tapioca e inúmeros outros gêneros alimentícios. E, enquanto a arte da cerâmica e cestaria são culturas indígenas incorporadas nas tradições artísticas populares do Brasil, a herança de sua religiosidade é encarnada na figura do caboclo como espírito destemido, multifacetado em dezenas de denominações como Caboclo Pena Branca, Sete Flechas, Tupinambá, Cabocla Jurema, Jupira e Diana das Matas..., sem mencionar os ritos de pajelança, a adoração à jurema sagrada (o Catimbó), entre outras inúmeras crenças afro-índias.
Viva os bravos mestres da arte e da medicina tropical! Viva os Karajá e Kayapó do Mato Grosso, Tocantins e Pará com suas coifas de penas e aquelas coloridas diademas com penachos da arara azul, ricamente emplumadas em fios de algodão; Viva os Marubo, Wayana-Aparai, Rikbaktsa e Tapirapé do Mato Grosso, que com seus lindos objetos de prestígio atraem nossos olhos com suas coroas, brincos e braçadeiras e colares aprumados; viva os Nhambiquara do Mato Grosso e Rondônia que, com a delicadeza de suas bandoleiras produzidas com coquinho, conchas e peninhas, dão vazão à noção indígena da beleza; viva os Hixkariana e seus “simples” cestos de guardar penas, feitos de trançado de arumã; Viva os Mehinaku e todos os povos do Parque do Xingu; viva os Tikuna do Amazonas, os Juruna, cujos remos belamente decorados não cansam de instigar a nossa criatividade. Viva as elegantes cerâmicas de figuração geométrica dos Waurá. Viva a arte e a todos os povos indígenas brasileiros!
Renato Araújo - Núcleo de Pesquisa do Museu Afro Brasil