Um Adeus para Yêdamaria

08 de abril de 2016
Quando cheguei a Salvador nos anos sessenta, fui ao bairro do Barbalho onde morava a professora Theonila da Silva Corrêa e Oliveira – que foi professora da minha mãe e de minhas tias em São Gonçalo dos Campos, interior da Bahia – mãe de Yêdamaria, que naquela época fazia um curso de arte no Rio de Janeiro. Muito tempo depois conheci a artista Yêdamaria. Naquele tempo sua pintura era inspirada nos barcos e nas velas dos saveiros que navegavam nas águas mansas da Bahia de Todos os Santos. Era uma obra quase geométrica, dos ângulos e dos triângulos muitas vezes repetidos nos reflexos das águas ao redor dos seus barcos imaginários, mas a pintora também teve uma fase matérica, talvez até sobre a influência dos ensinamentos de outra pintora esquecida pela Bahia: Maria Célia Calmon, que vinha do sul do país com uma pintura abstrata, geométrica e matérica.
Havia naquela época muitas mulheres com vocação para as Artes Plásticas: Sonia Castro, Lena Coelho, Gabi Grimaldi, Eliza Rosa Rocha e outras que não me vem à memória, chegava também a Salvador o pintor carioca Henrique Oswald, casado com outra artista: Jacira Oswald, dona de uma pintura corajosa e lançada com temas instigantes como fazia seu marido, como as pinturas desenvolvidas com um grafismo em contraponto aos planos abstratos, intituladas “pipas” e que logo se deixou envolver pela cor, pelo barroco e pelo fascinante universo baiano. Henrique vinha de uma família de artistas: seu pai foi o pintor e gravador Carlos Oswald – o primeiro gravador puro da arte brasileira – e ele próprio foi professor de gravura de nomes da arte brasileira no Rio de Janeiro e na Escola de Belas Artes da Universidade da Bahia, onde exerceu a cadeira de gravura.
Yêdamaria vivia, portanto, nesse meio cultural da cidade com seus percalços, suas defesas de mulher, e mulher negra. Ela sempre lutou com esse fantasma da sua cor e foi morar nos Estados Unidos, onde trabalhou, fez exposições e talvez tenha acalmado a sua alma em viver em outro meio social. Morou também em São Paulo, sempre inquieta, e desse seu tempo por aqui lhe valeu um livro sobre sua obra.
Esse livro foi de fato o reconhecimento de uma vida toda de trabalho, de uma obra construída a cada pintura, ultrapassando todas as pedras do seu longo caminho, foi também artista residente do Museu Afro Brasil, onde deixou belas naturezas mortas, o tema que ela escolheu para expressar um mundo de beleza dessas composições, cheias de cor, de luz, de movimento e de expressividade.
Sua morte assim tão de repente, emocionou a todos seus amigos e admiradores. Ela leva consigo as suas dúvidas e incertezas, suas amarguras, suas desconfianças. Ela nem sabia de fato o verdadeiro significado de suas obras criadas na Bahia, em São Paulo ou mesmo nos Estados Unidos, onde nelas estampava a força e a coragem de uma mulher lutando contra tudo e contra todos, uma luta íntima, que o tempo irá fazer justiça ao seu talento e assim sua obra estará livre para cumprir a missão das incertezas de todo artista.


Emanoel Araujo





Foto: Paulo Otávio

 



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