Grande dama das artes plásticas morreu aos 101 anos
Morreu Tomie Ohtake, a grande dama das artes plásticas brasileiras. A artista estava internada no Hospital Sírio-Libanês, onde faleceu nesta quinta-feira (12), aos 101 anos de idade. Mestre do gesto e da geometria, Tomie Ohtake desafiava as convenções de espaço, texturas, cores e ideias. Suas pinturas, esculturas e gravuras revelam uma artista intimorata, ousada e inventiva. Tomie era conhecida também pelo estilo ímpar de enfrentar a obra e a vida, nas quais força e suavidade têm o mesmo significado. A fama conquistada, desde a década de 60, nunca modificou o desafio a que se propôs: o eterno reinventar.
"Quando comecei a pintar aqui no Brasil, já era muito evidente o meu espírito brasileiro, ou ocidental, portanto já distante da origem oriental, mas devo ter tido sempre, até hoje, influência da terra em que nasci e cresci", afirmou Tomie à revista "ArtNexus", em 2005. Nascida no Japão (Kioto, 1913), Tomie chegou ao Brasil em 1936 e só começou a pintar aos 40 anos idade. Em 1969, ela e outros artistas se recusaram a participar da 10º Bienal Internacional de São Paulo, em um ato de protesto contra a ditadura militar. Nos anos de 1974 e 1979, ela foi escolhida melhor pintora do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Ela recebeu diversos outros prêmios e homenagens.
Tomie Ohtake participou de quatro exposições no Museu Afro Brasil: “Brasil, Terra de Contrastes” (2008); “Entre dois mundos: Arte contemporânea entre Brasil - Japão”; “Artes gráficas no Brasil: um ensaio”; “O que os olhos não veem o coração não sente - A arte de todo mundo: 50 anos de vivência”, as três últimas no ano de 2014.
O corpo da artista será velado no Instituto Tomie Ohtake, centro cultural localizado no bairro de Pinheiros, das 8h às 14h desta sexta-feira (13), em evento aberto ao público. A cerimônia de cremação, fechada para família, também será nesta sexta.
Para homenagear Tomie Ohtake, o Museu Afro Brasil publica o texto abaixo, assinado por Emanoel Araujo, nosso diretor curatorial. Escrito para a exposição “Entre Dois Mundos”, que teve abertura em 22 de fevereiro de 2014, o texto de Emanoel Araujo celebra a memória da grande artista e amiga querida.
A VELHA E QUERIDA AMIGA TOMIE OHTAKE
Pintora, escultora, gravadora, aos cem anos de sua vida, esta é a nossa homenagem pelo seu extraordinário currículo de trabalho e de abnegação, na difícil tarefa de ser uma artista nessa terra em que vivemos, sua terra escolhida para viver, criar e ser o que todos nós almejamos, contribuindo para que o mundo se torne melhor com o imaginário que emana da sua alma de utopia.
Sua trajetória começou um pouco tarde, e isso é mais um exemplo da sua vitalidade; também um exemplo de sua qualidade humana e de sua generosidade. Acrescento a isso seu grande talento e sua forma de se expressar nas diferentes fases de sua grande carreira. Foi figurativa e, aos poucos, criou um mundo de obras originais, inquietantes, ousadas, desafiando a própria pintura e o espaço, livrando a gravura do formato tradicional e criando obras monumentais, obras públicas para se mostrar fora dos espaços sombrios dos museus e das galerias. A rua, este é o lugar também da arte, e não importa se o vandalismo às vezes pode ser inoportuno, mas os outros, os sensíveis, podem reconhecer que a arte existe em um ser criador que oferece ao público e à cidade uma parte do seu ser.
É a pintora sempre inventando acontecimentos na tela, organizando, desafiando espaços, texturas, cores, ideias, invenções, abstrações e geometrias; furando com sua dimensão o limite da tela; seduzindo com suas sinuosidades, curvas, círculos, gestos e ação.
Assim é a senhora Tomie Ohtake, uma Dama da arte brasileira, uma amiga generosa e uma artista como poucas nesse mundo de meu Deus e de todos nós.
Emanoel Araujo
Diretor Curador