Com 41 capas de discos e algumas estações de escuta, a exposição Fela Kuti - o design gráfico dos LPs, do Museu Afro Brasil, não oferece uma sensação de intimidade como os seis trompetes de Miles Davis ou o carrão vermelho que Elvis Presley usou num filme, apresentados em mostras recentes. Sua pertinência, porém, não lhes deixa nada a dever. Acontece que enquanto Miles e Elvis são assuntos de permanente interesse, o nigeriano Fela Kuti (1938-1997) vem tendo sua obra reconhecida no Brasil apenas nos últimos anos, de modo que a limitação do acervo acaba sendo compensada pela efervescência do tema. Hoje, há uma horda de artistas jovens se embrenhando em experiências baseadas no afrobeat que Fela Kuti desenvolveu nos anos 70, sobretudo entre os herdeiros do mangue-beat pernambucano. Em São Paulo, houve até o surgimento de uma banda, o Bixiga 70, diretamente inspirada nas que o acompanharam, o Africa '70 e o Egypt '80. Outras iniciativas semelhantes vêm pipocando pelo Brasil afora, como a Abayomy Afrobeat Orquestra, surgida no Rio de Janeiro, e o grupo Burro Morto, da Paraíba.
É verdade que a recente onda de atenção ao afrobeat - uma complexa combinação de jazz, funk, highlife ganense e ritmos africanas - foi impulsionada pelo relançamento em CD das obras do nigeriano pela Knitting Factory Records e pela Universal e se avolumou com a publicação no Brasil da biografia Fela - essa vida puta, do pesquisador cubano Carlos Moore. O motivo do atual interesse por ele, porém, vai além de um simples movimento de adequação do mercado. Afora suas muitas qualidades puramente musicais, como o irresistível suingue dos grooves, Fela Kuti e seu afrobeat ganharam relevo no Brasil por oferecerem uma alternativa de globalização cultural que não se funda nas nações hegemônicas, mas em diálogos diretos formados no interior do chamado terceiro mundo. Pesa, aí, o fato de se tratar de um artista da Nigéria, pois vem de uma região que alimentou profundamente a cultura afrobrasileira, sobretudo baiana e pernambucana.
Outro motivo de Fela Kuti cativar artistas e intelectuais brasileiros é o inconformismo político-social que expressou nas canções e nas posturas. Brutalmente perseguido por ditadores nigerianos, o artista sustentou uma ainda hoje pertinente defesa da liberdade e da cultura afro.
Diante de questões dessa envergadura, fica clara a modéstia das 41 capas de discos da presente exposição. Sua compreensão mais justa parece ser, afinal, como um daqueles casos em que o museu não se põe a serviço de emoldurar o que já está consagrado, mas de propor objetos que ainda precisam ser melhor conhecidos.
O que?
Fela Kuti - O Design Gráfico dos LPs
Onde?
Museu Afro Brasil - Parque do Ibirapuera, portão 10. Tel.: 3320-8900
Quando?
De 18 de maio a 18 de agosto
Funcionamento: de terça a domingo, das 10h às 18h (entrada até as 17h)
Entrada Gratuita
Sugestões de discos e livro:
- Fela Kuti Box vol. I e II
(CD e LP)
- Zombie (1976) - Fela Kuti
- Fela - essa vida puta (de Carlos Moore)